Esta noite, ou madrugada para os que não partilham do meu sistema de fuso horário, estava fazendo algo que há muito não fazia com calma: jogar um joguinho. Tratava-se de um jogo de estratégia (Hearts of Iron 3, para os interessados), e neste jogo há um belo mapa do mundo com diversas pequenas regiões assinaladas. Cada cantinho com a sua história…
E foi então que ao dar zoom numa determinada área da Alemanha, me vi de volta a Baden-Württemberg, me lembrando de tantas coisas… Cada região, uma lembrança, cada canto, uma história.
Desde Strasbourg, na França, onde estive com minha família aos 7 anos, logo antes de entrar na Alemanha, rumo a Munique. Karlsruhe, cidade onde morei, base de uma experiência quase inacreditável. Hoje sei que aquela época foi um verdadeiro milagre. Como eu, depois de tantos percalços, dores, fracassos e tristezas, poderia estar num cenário mágico de história, amizade, aventura e tanta, mas tanta beleza? Quanta sorte os céus decidiram me entregar, tanta generosidade e fartura, para alguém tão pequeno, simples e desmerecedor. Um milagre.
Ali em cima, em Mannheim, trabalhava um narigudo que sempre tive na mais alta conta, e que sempre penso não ter tratado da maneira que merecia. Quanto mau-humor o pobre teve que aturar, tantos resmungos e chatices. Hoje vejo a sorte que tive, que sempre tive, não sei como, mas que agradeço e valorizo.
Descendo para Freiburg, me deparo neste singelo mapa com Tubingen. Haviam me dito que era um local pequeno, mas foi grande o bastante para merecer aparecer neste mapinha. De lá este famoso narigudo importou uma esposa extraordinária, séria, trabalhadora, parceira, e dona de um sotaque que ainda a acompanha. Em Freiburg, uma lembrança. Uma festa de aniversário de um alemão, nosso hóspede aqui, nosso anfitrião lá. Pitoresco evento, uma noite acampados, e nos pusemos a caminho de Basel, para a final da Copa.
No caminho de Basel havia Lörrach. Então apenas um castelo próximo à estrada. A dupla que nos acompanhava se uniu a nós na invasão daquele reduto germânico medieval, e desta invasão roubei essa lembrança.
Então Basel. Susto, prisão, finalmente a Copa, e uma comemoração memorável por uma vitória sofrida e especial. A Suíça mostrou-se ambígua e incerta. Lá fui ferrenhamente defendido por soldados alemães, quem diria? Grande orgulho trago deste fato, e uma lembrança especial.
Um cantinho tão pequeno do mapa, como podem caber tantas lembranças? Visões, emoções, cheiros e conversas? Tanta beleza? Um milagre.
Seguindo para Leste, acima de Stuttgart me lembro de Rothenburg ob der Tauber. Uma época quando as coisas eram tão simples, e eu era apenas um simples namorado, perdidamente apaixonado. Tão simples. Lá comprei minhas primeiras espadas, e um grupo de alabardas para amigos especiais que me aguardavam no Brasil, entre feitiços e dragões, entre risadas e abraços, tanta alegria. Como é possível? Um milagre.
Rumo ao Sul, Schwabisch Hall. Pequena demais para este mapa, mas S. Gmund é sua vizinha maior. Uma cidadezinha com mais de setecentos anos, e tanta juventude, tanta beleza. Inúmeras lembranças de bares e pintores, lagos e parques. Igrejas e uma fatia de torta de morango. E Casablanca, claro. Ah, Casablanca, antro de piratas e artistas. E lá estava o Pedrinho.
Depois, Oberstdorf, para onde fomos em busca de neve,e que nos levou ao pequeno vale de Inner Pitztal, Também pequeno demais para o mapinha. Lá conhecemos os Franks e um Sr. Martin, que observava cabritos.
Ali ao lado, Garmisch Partenkirchen, meu destino de esqui com 7 anos, inalcançável em 1975 devido a um desmoronamento na estrada. Nunca esqueci deste nome, e imaginei essa cidadezinha muitas vezes. Mas lá nunca fui.
Por fim, Munich. Bem adequado, pois foi um lugar abençoado. Estive lá de mãos dadas com meu pai aos 7 anos, todo encapotado, morrendo de frio. Me lembro muito dessa caminhada de mãos dadas com meu pai. Que maravilhosa lembrança, que sorte a minha ter podido experimentar essa sensação de segurança, carinho e supervisão. Nada poderia jamais dar errado. Hoje, quando dou a mão às minhas filhas, vejo que a sorte me acompanha, me permitindo proporcionar a elas a mesma lembrança, a mesma sensação. Depois lá voltei, novamente de mãos dadas, e vi corrida de bigas, cervejarias e Ciência girando ao redor de uma bomba V2. Me plantei ao lado de um Messerschmitt 109, e dei uma sonora gargalhada! Como seria isso possível, meu Deus?
Tinha que ser um milagre.