quarta-feira, 23 de junho de 2010

Série Cosmos, de Carl Sagan




Dia desses zapeando pelos canais abertos topei com algumas cenas esmaecidas e sem o brilho característico das imagens em alta definição. O crédito deve ser dado à tamanha reprise. Estava ligado na TV Escola e as velhas imagens pertenciam à série televisiva “Cosmos”, de Carl Sagan que estavam sendo exibidas na sua versão dublada. Logo a saudade me veio. Fonte que me abasteceu com conhecimentos científicos arrojados, porém explicados de uma forma genialmente simples.

A série exibida no Brasil na década de 80 era uma produção do próprio Sagan com sua esposa Ann Druyan, produzida pela KCET e Carl Sagan Productions, em associação com a BBC e a Polytel International. Talvez não tenha deixado saudades, nem lembrança para a maioria. Mas, aqueles que possuíam a mínima curiosidade por astronomia, astrofísica, história, física, matemática e química, por certo darão o devido crédito à série. Posso estar enganado, mas foi a primeira vez que assuntos cabeludos como buraco de minhoca, espaço-tempo, relatividade, macro e microcosmos e até vidas extraterrestres foram abordados por um documentário de TV de uma forma clara e inteligentemente criativa. Sem nos darmos conta, estávamos fisgados e lidando com questões como velocidade da luz ou batendo palmas por entender como grandes matemáticos do passado fizeram para calcular a circunferência da terra.






Isto era Carl Sagan. Astrofísico norte-americano, nascido em Nova Iorque em 1934 e falecido em Seattle, EUA em 1996. Especialista em planetologia e exobiologia foi conselheiro científico da NASA e colaborou nos programas das sondas espaciais Viking e Voyager. Esta última, o primeiro artefato humano a deixar o sistema solar, que em meio a sua lenta peregrinação pelos confins do nosso sistema enviou centenas de fotos nos mais amplos espectros de onda. Lembro - sim, de tanto ver a série encontrei e adquiri na feira de livros da Cinelândia, aqui no centro do Rio de Janeiro, o livro que deu origem à série - e ficava examinando em detalhes a bela foto do disco de ouro que a espaçonave levava. Um belo LP que no lado A estavam gravados os sons da Terra. Um mosaico sonoro que incluía vozes de baleias, risadas humanas, sons da natureza, talvez engenhos humanos em funcionamento e transmissões radiofônicas. No lado B um manual de instruções, em linguagem matemática, que ensinava qualquer inteligência extraterrestre a construir uma eletrotralha parecida com uma vitrola para fazer o tal disco tocar.
Sagan, além de autor de outras obras de divulgação científica, também colaborou com o Projeto SETI, uma rede de radiotelescópios que até hoje rastreiam o espaço sideral em busca de sinais de rádio potencialmente inteligentes. Aqui no planetinha, o sinal de TV produzido pela BBC encantava, e arrisco dizer, influenciou mesmo muitos jovens a seguir a carreira científica.



“Cosmos” era deliciosamente revolucionário. E ainda o é. Mesmo em inferioridade de condições técnicas como produto televisivo, as modernas criações do gênero e quadros científicos de programas de domingo, como o “Poeira das Estrelas”, do físico e astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser, exibido no Fantástico em 2006, nada mais fazem do que homenagear e seguir a fórmula. Algumas delas conseguem hoje repetir a façanha, igualar ou superar “Cosmos” e suscitar em mim igual empolgação e sede de conhecimento. Mas atribuo a Carl Sagan o pioneirismo e a fantástica capacidade de conduzir leigos nos, por vezes, difíceis caminhos da ciência.



Reproduzo abaixo um fantástico exemplo do que digo. É um trecho extraído do tal livro que possuo, e sempre que quero lembrar o quanto é difícil escrever para televisão, tenho nele um bom exemplo de criatividade e simplificação. É uma bela criação narrativa e científica para elucubrar a respeito.

Imaginemos que habitamos um país estranho onde todos são perfeitamente planos. (...) Nós a chamamos de Terra dos Planos. Alguns de nós são quadrados, outros, triângulos, alguns possuem formas mais complexas. Corremos precipitadamente para dentro e para fora de nossas construções planas, ocupados com nossos afazeres e brincadeiras planas. Todos na Terra dos Planos têm largura e comprimento, mas não altura. Sabemos sobre esquerda e direita, para frente e para trás, mas nenhuma idéia, ou remota compreensão, sobre cima e embaixo, exceto os matemáticos planos. Eles dizem: "Escutem, é muito fácil. Imaginem a esquerda e a direita. Imaginem à frente e atrás. Tudo bem até aqui? Agora imaginem outra dimensão, em ângulos retos com as outras duas." E nós respondemos:"Do que vocês estão falando? Ângulos retos com as outras duas? Existem somente duas dimensões. Apontem esta terceira dimensão. Onde está ela?" Então os matemáticos, desanimados, desistem. Ninguém escuta os matemáticos.

Toda criatura quadrada na Terra dos Planos vê outro quadrado meramente como um pequeno segmento de reta, o lado do quadrado mais próximo dela. Ela pode ver o outro lado do quadrado somente se caminhar um pouco. Mas o interior do quadrado é sempre misterioso, a menos que algum acidente terrível ou autópsia rompa os lados e exponha as partes internas.

Um dia, uma criatura tridimensional, com a forma de uma maçã, por exemplo, chegou à Terra dos Planos e andou a esmo por lá. Observando um quadrado particularmente atraente e bem proporcionado, entrando em sua casa plana, a maçã decide, em um gesto de amizade interdimensional, dizer "olá". "Como vai você?"pergunta o visitante da terceira dimensão. "Eu sou o visitante da terceira dimensão."O infeliz quadrado olha à volta da sua casa e não vê ninguém. Ainda pior, para ele, parece que o cumprimento, vindo de cima, está emanando do seu próprio corpo plano, uma voz interior. Uma pequena insanidade, talvez ele pense corajosamente, e corre para a sua família.

Exasperada por estar sendo julgada uma aberração psicológica, a maçã desce à Terra dos Planos. Agora, uma criatura tridimensional pode existir, na Terra dos Planos, somente em parte; pode ser visto somente um corte, somente os pontos de contato com a superfície plana da Terra dos Planos.Uma maçã escorregando na Terra dos Planos apareceria primeiro como um ponto e então progressivamente maior, quase que em fatias circulares. O quadrado vê um ponto aparecendo em um quarto fechado em seu mundo bidimensional e lentamente crescer transformando-se quase em um círculo. Uma criatura de forma estranha e mutável surgiu de algum lugar.

Rejeitada, infeliz com a obtusidade dos muitos planos, a maçã bate com força no quadrado e o levanta, vibrando e girando nesta misteriosa terceira dimensão. A princípio o quadrado não consegue entender o que está acontecendo: está totalmente fora da sua experiência. Eventualmente ele se conscientiza de que está vendo a Terra dos Planos de um local vantajoso peculiar: "acima". Pode ver dentro de quartos fechados e dentro de seus companheiros planos. Está vendo seu universo de uma única e devastadora perspectiva. Viajar através de uma outra dimensão proporciona, como um benefício incidental, um tipo de visão de raios X. Eventualmente, como uma folha que cai, nosso quadrado lentamente desce para a superfície. Do ponto de vista dos seus companheiros da Terra dos Planos, ele desapereceu de modo inexplicável de um quarto fechado, e então materializou-se, aflito, em algum lugar. "Pelo amor de Deus", dizem eles, "o que aconteceu com vocês?" "Penso", descobriu-se dizendo, "que estava acima". Eles dão pancadinhas em seus lados e o confortam. As desilusões sempre aconteceram na família.

(Extraído de Cosmos, Editora Francisco Alves, 1983 - Capítulo O Limite do Eterno, Págs 262 e 263.)




Deixo também um link para os episódios da série e o site oficial. Delícia pura.








A fonte para as informações complementares: Internet, Wikipedia e os dois sites já citados.



Forte abraço para todos,
Márcio

sábado, 8 de maio de 2010

Bedtime Story


It was early in the morning when little Heinz came to wake me up. Urgent briefing awaited me, I rushed into my clothes and went to the hangar. Commander William (or it might have been Wilson, my memory is failing me lately) was already warming things up. Being fresh from the academy I was a bit nervous and I failed to digest all the flight plan info. My mind kept wandering to my childhood in Karlsruhe, all that playing in the park by The Schloss, the fair maidens parading around, the astonishingly great beer...  -'HEY !!  You there!! Stop daydreaming, son of a gun!!  This is KampfGruppen Eins. Fit in and wake up or I will do it for you!!' - That was sweet old commander in his best moments...  Well, I miss it all anyway.

Dawn was still creeping over the horizon and my crew was already strapped to our wondrous Ju-88 - A war winner plane, if I am allowed to say it. The two powerful DB engines flared alive and I throttled up and started taxiing. Great care needed there, I tell you young ones. Saw several good planes and crews go up in flames after a crash during taxi. Eyeballs wide open, I formed on the runway. Ops, sorry there number two, just overtook your plane. You see, I actually made the whole flight in position number 1.5, half-squeezing close to the leader. I hope number two has forgiven me, God rest his soul. Oberfeldwebel Karl Von Piperen was just on my 5 o'clock. Engines roaring we filled the sky with german wonder. Ah, those were the times. You see, my boy, all the girls then reeeeally looked forward to be nice to... Oh, here comes your mother! Let's keep that to ourselves, shall we? And quit the snickering.



Where was I? Yes, yes, I got it. After a few circles around the base to allow for everyone to catch up, South we went. Have I told you that happened in Crimea? What is that? No, it is not in Hawaii, never mind. Anyway, I'll speak to your mother about Geography. When she was your age she already knew where Crimea is, I taught her well. Oh, your Grandma did a nice job too, God embrace those old bones in his lap. Now shut up and listen, soon I will need to take my medicine and then I won't remember even my name.

We made a nice formation so-called Gaggle at the time. Yes, yes, pretty nice. Several fighters above us for protection, and up we went, to destroy the harbor at Sevastopol. After several uneventful minutes, with Von Piperen flying ever closer, the damned russian flak started to explode around us. Flak, young one, is bombs exploding in mid-air trying to kill your Grandpa. Our beloved Commander's plane started to smoke. Not a giant cigar, no. How do you come up with such stuff anyway? His engine was letting out smoke, bad sign. But on he went, as only a true Arian can manage. Hey kid, forget I said that. Other times, other times.

Anyway after a few changes in course, we aimed straight for the harbor. I must tell you, kid, that Commander Willie (as we called him) did a nice and smooth flight that night. He then reminded us his plan. To dive bomb and hit the harbor from very low altitude. Dangerous stuff, kid! I could feel von Piperen trembling with fear! My crew, of course, was cool as a nice beer in winter. The Commander signaled, start dive NOW!

Down we went. Airbrakes deployed, wind whistling all around us, plane shaking, flak all over us, and a damned fighter trying his best to blow us to smithereens. Hope he rots in Hell, that Fu@#@#@g  bastard!! Eh, never mind that too, kid, I must be getting a little dizzy. No, Grandpa never says four-letter words. Neither should you. So, we were plummeting from the sky, I let my plane drift a bit to the right from Willie's, and I dropped the bombs. Bombs Los !!! Then to hear the amazing blast of German Ire. That morning I blasted a whole industrial block to pieces. Commander Willie, I was told later, got really mad cause he missed his target. Anyway, he was a good commander.

Alas! That damned fighter was still in our six, firing like his got the whole Russian Goddamned Ammo Industry packed inside that Devil Beblasted piece of S#it !! I got my comms and yelled for help!! Banking left my plane pulled up and leaped ahead. Full Throttle!! My gunners were firing, but they were called Moe, Larry and Curly. What that means?? Come on! It means they hit shit!!! Our plane was being chewed to pieces by the Almightly Deformed Bolshevik, may he burn in the seven circles of Hell, may his seed never bear fruit! ... Argh!!  Kid, get me that red pill over there, quick!!  No, no, Grandpa is fine. Let me drink this. Red??  Who is red like a newborn pig, you little... Come here!!

Ok. Now behave and listen. After what seemed an eternity our fighters finally got to help us, exploding the Red Rat as he deserved. Well, if you ask me, he really deserved a slow, bubbling, very painful... Never mind. Free from the enemies we made our way to a closer airstrip and landed. Actually I half destroyed my plane during that disturbing and most uncomfortable landing. Larry unfortunately did not survive, God take his soul and keep him warm and dry. That, little man, was how Grandpa got this here medal. Now rush to bed. Come on, good night. Sleep tight.

Oh!! Hi sweetie. What I was doing? Nothing. Just telling the kid a nice bedtime story. Yelling? No, that must have been the neighbor. You know how that fellow can get his temper worked up. Good night.

domingo, 18 de abril de 2010

Desenvolvimento e as pererecas.



Saudações meus leitores.

Há muito tempo que não escrevo aqui, vim remover o bolor. Aliás, o tema é bolorento já, aos meus olhos. Desenvolvimento. Este processo que todos dizem desejável, que aumenta nossa renda nacional, que dá a todos melhores condições de vida, melhor educação, segurança e saúde.

Pergunte a qualquer energúmeno capacitado sobre os benefícios do desenvolvimento econômico e receberão respostas efusivas e entusiasmadas. Mas o desenvolvimento tem um preço. Tudo tem seu preço, sempre. Neste caso o preço é bastante visível, e algo duro de engolir. Precisamos de recursos naturais. Precisamos de energia. Precisamos de indústrias de transformação.

Recursos nosso país tem. Para extrair estes recursos, invadimos e agredimos a natureza. Ato cada vez mais considerado impopular. Queremos o alumínio, mas vamos extrair a bauxita sem danificar aquele belo riacho ali adiante. E as pererecas que ali procriam? Temos que pensar nisso.

Para energia, precisamos de grandes investimentos e grandes projetos. A bola da vez é a Usina de Belo Monte, que será a 3a maior do mundo depois do gigante chinês das 3 gargantas e Itaipú. Quando completa, vai inundar uma área enorme e desabrigar 22 mil famílias, além de aniquilar parte do habitat de diversas comunidades indígenas.

Nossas indústrias poluem!! Grande novidade não? Ainda não inventaram a siderúrgica não poluente. Mas sem as indústrias nós venderemos bauxita por 1 para comprar alumínio por 15. A grana fica com o país industrializado que banca a poluição.

Bem, não deve haver dúvida de que enumerei aqui 3 atos de vilania ambiental. Destruição para extração, inundação para geração de energia e poluição industrial. O ativista do Greenpeace de plantão pode começar a bufar.

Mas para que o país se desenvolva precisamos disso. Infelizmente os índios terão que se mudar, ou deixar sua cultura perecer. As famílias na região das usinas terão que sair de lá, coisa triste, mas necessária. Num país onde o índice de pobreza é altíssimo, desenvolvimento é a única saída. Devemos usar a preocupação ambiental para tomar decisões inteligentes, que não gerem desperdícios ou agressões desnecessárias. Mas algumas vilanias serão necessárias, e devem ser feitas.

Existe uma massa imbecil esverdeada que prega a preservação acima de tudo. Ora, isto não  é um parque nacional. Isto é um país em desenvolvimento. Quer que não façamos a usina de Belo Monte, como veio aqui cacarejar a múmia azul, então que nos paguem pelo valor de desenvolvimento negado ou atrasado. Que tal 10 Bi por ano durante um século??

Verdes, azuis e rosas, botem uma coisa na cabeça. A idéia do parquinho feliz é muito bonita para um americano limitado como o Cameron. Muito confortável para ele saber que tem aqui no "fim do mundo" uma Amazônia que ficará preservada para que seus filhos venham visitar. Será que ele pensou no impacto ambiental causado pela queima dos 5000 galões de querosene usados para trazer sua carcaça azul para protestar aqui? Duvido.

Quero ver um panaca destes limitando seu estilo de vida pessoal por suas preocupações ambientais. Desmontando sua mansão para permitir o retorno da mata nativa californiana. Cancelando suas viagens de turismo e panfletagem colorida para reduzir a poluição atmosférica. Não se iludam, leitores, esses caras são tão vazios quanto suas propostas. E tão egoístas quanto, também.

A feliz hipocrisia dos desenvolvidos e seus respingos verdes tropicais pode ser explicada facilmente por uma única e sempre presente questão. Dinheiro. O desenvolvido quer continuar comprando silício e vendendo chip. Comprando bauxita e vendendo alumínio. Cada passo que o Brasil dá rumo ao desenvolvimento é um passo de um concorrente potencial se aproximando deles, os desenvolvidos. A verborragia verde é apenas mais uma ferramenta de atraso. Quanto mais eles nos atrasarem, mais lucram.

Prova de nosso incômodo gerado é nossa indústria aeronáutica. A Embraer vende aviões pro mundo todo. Os desenvolvidos aplaudem e acham bom? Muito ruim hein?!  Os caras nos processam quando podem, copiam nossos modelos (Super Tucano) e rezam para nossa volta à indústria cafeeira.

Ouço sempre o conto de que os brasileiros são muito bem recebidos lá fora. Que povo pacífico, como nunca incomodamos ninguém... À medida que nosso desenvolvimento aumentar esta percepção diminuirá. Quando as nossas multinacionais forem explorar a mão-de-obra lá, e nossos produtos causarem desemprego lá, vejamos então como nos admiram.

Hipocrisia é triste. Vamos olhar para o país, fazê-lo crescer e enriquecer (me desculpem aqui os índios e demais comunidades prejudicadas inicialmente pelo processo) e depois, quando investirmos pesado em educação, vamos deixar esses gringos para trás!

Mas atenção, para chegarmos vivos a este patamar temos que nos armar até os dentes. Nossos vizinhos do norte costumam tratar de incômodos de forma usualmente violenta...  E vamos nos tornar incômodos, se tudo correr bem. O Brasil vai deixar de ser popular para ser... Rico!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Filomena (primeira parte).

Conto exemplar.
Eu conheci a Filomena numa aula de ginástica para grávidas. Hoje eu não entendo o que eu estava fazendo ali, mas na época era moda, todo mundo fazia, e se todo mundo faz, é que deve ser bom, não é?
Bom, pelo menos para mim não foi.
E foi a Filomena que me salvou. Imagina, a professora estava naquela história de senta e levanta, senta e levanta, e eu sentei e não levantei mais. Eu estava me sentindo tonta, e a tonta da professora insistia:
- Levanta, menina, vamos lá! Deixa de preguiça!
E eu, que sou obediente, levantei e sentei de novo sem querer, e tudo foi ficando escuro, e eu fui caindo...
Quem me segurou foi a Filomena. E foi logo dando uma bronca na professora:
- Ô Kátia, não está vendo que a menina está passando mal? Não tem competência pra ser professora não?
Saí da aula com a Filomena, que me pagou um suco de laranja. Nunca mais voltei para a Ginástica de Grávidas, mas arrumei uma amiga. E passei a me encontrar todos os dias com a Filomena para andar na praia. Esse foi o nosso exercício de gravidez. Na revista Cláudia que eu li no cabeleireiro diz que também é uma boa forma de exercício, que aumenta as endorfinas.
A Filomena era muito divertida. Falava muito, falava alto, falava um monte de palavrão. Meu pai sempre me proibiu falar palavrão. Ele também falava, de cada duas palavras cinco eram palavrões. Ele era homem, não tinha problema, né? Mas mulher falando palavrão é muito feio. Uma vez lavou a boca da minha irmã com sabão. Não deu muito resultado não. Até hoje ela é desbocada.
A Filomena, com os seus palavrões, me divertia. Ela é uma pessoa de muita personalidade, muito intensa, e eu admiro isso. Quando a gente ia num restaurante, ou numa lanchonete, ela sempre fazia valer os seus direitos (era assim que ela dizia). Reclamava, brigava com o garçom, chamava o gerente. Uma vez chegou a jogar um prato no chão, porque o bife estava muito bem passado, e ela só gosta de carne sangrenta. Eu confesso que fiquei meio assustada, mas depois até ri e falei para ela:
- Você hoje está o cão que o diabo amassou, hein?
Eu adoro usar esses trocadilhos populares. Eles dão um ar intelectual à conversa, e mostram que a gente tem cultura.
Aos poucos eu fui conhecendo melhor a Filomena. Imagine que ela antes de casar tinha sido piloto de avião! Sabe aqueles aviões pequenos, que as pessoas ricas alugam para não viajar misturadas com as pessoas comuns? Pois é, por incrível que pareça, a Filomena pilotava um avião desses. Que eu saiba, foi a única mulher aviadora da história. Vê como ela tinha personalidade?
Aliás, foi pilotando que ela conheceu o marido, que é empresário. Ela foi contratada para levar um grupo de industriais para visitar uma fábrica no interior, e aí tudo aconteceu. Eu suspirei quando soube.
Já pensou que romântico? Eu imaginei tudo: enquanto o avião atravessa aquele céu de brigadeiro (mas um brigadeiro azul, não cor de chocolate), ele, de terno, pasta de executivo, óculos escuros, um charme, desliga os cinco celulares (ele tem cinco, eu vi), fecha o laptop, e de repente faz uma declaração de amor no ouvido dela. E ela, tomada de paixão, mergulha o avião numa manobra ousada, rasgando as nuvens como quem rasga um sutiã. Confesso que tive inveja, que Deus me perdoe (sei que a inveja é um pecado muito feio, e as pessoas usam uma palavra ainda mais feia para falar de inveja).
É claro que o marido da Filomena exigiu que ela deixasse a aviação quando se casaram. Está certo. Mulher de empresário tem que ficar em casa cuidando dos filhos, dando ordens às empregadas, preparando a casa para as recepções dos homens importantes que vão fazer negócios com o marido. Confesso que mais uma vez tive inveja. Às vezes eu vejo o meu marido no sofá, de pijama, tomando cerveja enquanto vê o jogo do Flamengo, e penso que se eu tivesse casado com um empresário não precisava trabalhar. Mas, enfim, cada macaco no seu galho. Cada cabeça, uma sentença. Nem todo mundo tem a mesma sorte.
Nossos filhos nasceram, com um intervalo de uma semana, o dela primeiro, o meu depois. O Paulo Henrique, meu filho, era uma gracinha. Até hoje. O filho dela, o Cauê, também era um bebê muito bonitinho. E a nossa amizade foi aumentando.
A gente levava os nossos bebês nos carrinhos para tomar o sol da manhã na praia (dizem que faz muito bem aos ossos). Era uma delícia. Às vezes, ela se aborrecia com os ciclistas. Um dia ela chegou a derrubar um rapaz de uma bicicleta, porque ele passou bem perto do carrinho do Cauê. Ah, eu esqueci de dizer, ela é muito alta e forte, muito diferente de mim, que sou baixinha e franzina. O rapaz levou um susto. Quando viu aquele mulherão gritando com ele, xingando de todos os palavrões, subiu rapidinho na bicicleta e deu o fora. Quando um não quer dois não brigam (sem querer ostentar conhecimento, aí vai, humildemente, mais um trocadilho popular).
Eu falei que o Cauê era muito bonitinho. Ele era mesmo. Mas à medida que foi crescendo, foi ficando meio nervoso. Acho que ele puxou ao gênio da mãe. O que deve ser bom. Ele deve se tornar um adulto decidido também.
O problema é que toda vez que a gente se encontrava ele enchia o meu filho de bolacha. E a mãe não fazia nada. Eu tratava de tirar discretamente o Paulo Henrique do caminho. Quando dava.
Como falava o meu pai, a gente só deve andar com boas companhias, e eu faço questão de criar o meu filho de acordo com essa orientação. O Cauê é filho de pais que tem dinheiro, são bem situados na sociedade. Enfim, uma boa companhia. Bater no meu filho é um mal menor. A gente contorna.
O tempo foi passando, os filhos crescendo. Eu convivia muito com a Filomena e o filho. Às vezes a gente ia à praia, e o meu marido ia também. Mas nós não conhecíamos o marido dela. Ele é um empresário importante, tem umas fábricas não sei de quê, trabalhava muito, estava sempre viajando.
A Filomena passou a se queixar muito. Dizia que o marido quase não ficava em casa, que não dava atenção para ela e para o filho, que saía para jantares de negócios e muitas vezes só voltava no dia seguinte, que quase não conversava com ela. Eu explicava a ela que a vida de um empresário deve ser muito difícil, que ela tinha que ter paciência. E ela sempre terminava lembrando os tempos de aviação, e me contava da sensação de liberdade que tinha no céu, pilotando seu avião.
Num dia ela chegou a me dizer que tinha outro problema com o marido, mas que não ia me contar, porque era uma coisa muito íntima. Apesar da curiosidade, eu não insisti no assunto. Sabe como é, mais vale um pássaro na mão que dois voando. Eu não queria perder a amizade dela.
Eu dizia para ela que eu queria conhecer o seu marido, apresentá-lo ao meu marido. Quem sabe, com uma boa conversa de empresário, o Leonardo ensinava o Pedro Paulo a ganhar dinheiro? Como eu já falei antes, eu sigo a orientação do meu pai, de andar sempre em boas companhias. Afinal, o hábito não faz o monge.
Um dia, a Filomena veio com a boa notícia. O marido tinha aceitado ir para um hotel fazenda com a gente. O preço era meio salgado, mas eles dividiam em 12 vezes, de forma que nós podíamos pagar.
E assim fomos nós, passar o fim de semana em Resende, com o Leonardo, a Filomena e o Cauê. O Pedro Paulo brincou, dizendo que ia botar uma roupa de futebol americano no Paulo Henrique, porque assim, quando o Cauê batesse, o Paulo Henrique estaria mais protegido. Eu disse a ele que não tinha gostado da brincadeira. Lembrei que eu tinha, pela minha facilidade de fazer amizades, conseguido me relacionar com pessoas de categoria, e que era bom para o nosso filho conviver com um menino que tinha nascido em berço de ouro.
O Cauê só era meio nervoso, só isso. Eu nem liguei quando, numa visita, ele quebrou uns três ou quatro bibelôs na mesa da nossa sala. Coisa de criança. Se conselho fosse bom, macaco não punha a mão em cumbuca. Eu sou muito compreensiva.