quarta-feira, 23 de junho de 2010

Série Cosmos, de Carl Sagan




Dia desses zapeando pelos canais abertos topei com algumas cenas esmaecidas e sem o brilho característico das imagens em alta definição. O crédito deve ser dado à tamanha reprise. Estava ligado na TV Escola e as velhas imagens pertenciam à série televisiva “Cosmos”, de Carl Sagan que estavam sendo exibidas na sua versão dublada. Logo a saudade me veio. Fonte que me abasteceu com conhecimentos científicos arrojados, porém explicados de uma forma genialmente simples.

A série exibida no Brasil na década de 80 era uma produção do próprio Sagan com sua esposa Ann Druyan, produzida pela KCET e Carl Sagan Productions, em associação com a BBC e a Polytel International. Talvez não tenha deixado saudades, nem lembrança para a maioria. Mas, aqueles que possuíam a mínima curiosidade por astronomia, astrofísica, história, física, matemática e química, por certo darão o devido crédito à série. Posso estar enganado, mas foi a primeira vez que assuntos cabeludos como buraco de minhoca, espaço-tempo, relatividade, macro e microcosmos e até vidas extraterrestres foram abordados por um documentário de TV de uma forma clara e inteligentemente criativa. Sem nos darmos conta, estávamos fisgados e lidando com questões como velocidade da luz ou batendo palmas por entender como grandes matemáticos do passado fizeram para calcular a circunferência da terra.






Isto era Carl Sagan. Astrofísico norte-americano, nascido em Nova Iorque em 1934 e falecido em Seattle, EUA em 1996. Especialista em planetologia e exobiologia foi conselheiro científico da NASA e colaborou nos programas das sondas espaciais Viking e Voyager. Esta última, o primeiro artefato humano a deixar o sistema solar, que em meio a sua lenta peregrinação pelos confins do nosso sistema enviou centenas de fotos nos mais amplos espectros de onda. Lembro - sim, de tanto ver a série encontrei e adquiri na feira de livros da Cinelândia, aqui no centro do Rio de Janeiro, o livro que deu origem à série - e ficava examinando em detalhes a bela foto do disco de ouro que a espaçonave levava. Um belo LP que no lado A estavam gravados os sons da Terra. Um mosaico sonoro que incluía vozes de baleias, risadas humanas, sons da natureza, talvez engenhos humanos em funcionamento e transmissões radiofônicas. No lado B um manual de instruções, em linguagem matemática, que ensinava qualquer inteligência extraterrestre a construir uma eletrotralha parecida com uma vitrola para fazer o tal disco tocar.
Sagan, além de autor de outras obras de divulgação científica, também colaborou com o Projeto SETI, uma rede de radiotelescópios que até hoje rastreiam o espaço sideral em busca de sinais de rádio potencialmente inteligentes. Aqui no planetinha, o sinal de TV produzido pela BBC encantava, e arrisco dizer, influenciou mesmo muitos jovens a seguir a carreira científica.



“Cosmos” era deliciosamente revolucionário. E ainda o é. Mesmo em inferioridade de condições técnicas como produto televisivo, as modernas criações do gênero e quadros científicos de programas de domingo, como o “Poeira das Estrelas”, do físico e astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser, exibido no Fantástico em 2006, nada mais fazem do que homenagear e seguir a fórmula. Algumas delas conseguem hoje repetir a façanha, igualar ou superar “Cosmos” e suscitar em mim igual empolgação e sede de conhecimento. Mas atribuo a Carl Sagan o pioneirismo e a fantástica capacidade de conduzir leigos nos, por vezes, difíceis caminhos da ciência.



Reproduzo abaixo um fantástico exemplo do que digo. É um trecho extraído do tal livro que possuo, e sempre que quero lembrar o quanto é difícil escrever para televisão, tenho nele um bom exemplo de criatividade e simplificação. É uma bela criação narrativa e científica para elucubrar a respeito.

Imaginemos que habitamos um país estranho onde todos são perfeitamente planos. (...) Nós a chamamos de Terra dos Planos. Alguns de nós são quadrados, outros, triângulos, alguns possuem formas mais complexas. Corremos precipitadamente para dentro e para fora de nossas construções planas, ocupados com nossos afazeres e brincadeiras planas. Todos na Terra dos Planos têm largura e comprimento, mas não altura. Sabemos sobre esquerda e direita, para frente e para trás, mas nenhuma idéia, ou remota compreensão, sobre cima e embaixo, exceto os matemáticos planos. Eles dizem: "Escutem, é muito fácil. Imaginem a esquerda e a direita. Imaginem à frente e atrás. Tudo bem até aqui? Agora imaginem outra dimensão, em ângulos retos com as outras duas." E nós respondemos:"Do que vocês estão falando? Ângulos retos com as outras duas? Existem somente duas dimensões. Apontem esta terceira dimensão. Onde está ela?" Então os matemáticos, desanimados, desistem. Ninguém escuta os matemáticos.

Toda criatura quadrada na Terra dos Planos vê outro quadrado meramente como um pequeno segmento de reta, o lado do quadrado mais próximo dela. Ela pode ver o outro lado do quadrado somente se caminhar um pouco. Mas o interior do quadrado é sempre misterioso, a menos que algum acidente terrível ou autópsia rompa os lados e exponha as partes internas.

Um dia, uma criatura tridimensional, com a forma de uma maçã, por exemplo, chegou à Terra dos Planos e andou a esmo por lá. Observando um quadrado particularmente atraente e bem proporcionado, entrando em sua casa plana, a maçã decide, em um gesto de amizade interdimensional, dizer "olá". "Como vai você?"pergunta o visitante da terceira dimensão. "Eu sou o visitante da terceira dimensão."O infeliz quadrado olha à volta da sua casa e não vê ninguém. Ainda pior, para ele, parece que o cumprimento, vindo de cima, está emanando do seu próprio corpo plano, uma voz interior. Uma pequena insanidade, talvez ele pense corajosamente, e corre para a sua família.

Exasperada por estar sendo julgada uma aberração psicológica, a maçã desce à Terra dos Planos. Agora, uma criatura tridimensional pode existir, na Terra dos Planos, somente em parte; pode ser visto somente um corte, somente os pontos de contato com a superfície plana da Terra dos Planos.Uma maçã escorregando na Terra dos Planos apareceria primeiro como um ponto e então progressivamente maior, quase que em fatias circulares. O quadrado vê um ponto aparecendo em um quarto fechado em seu mundo bidimensional e lentamente crescer transformando-se quase em um círculo. Uma criatura de forma estranha e mutável surgiu de algum lugar.

Rejeitada, infeliz com a obtusidade dos muitos planos, a maçã bate com força no quadrado e o levanta, vibrando e girando nesta misteriosa terceira dimensão. A princípio o quadrado não consegue entender o que está acontecendo: está totalmente fora da sua experiência. Eventualmente ele se conscientiza de que está vendo a Terra dos Planos de um local vantajoso peculiar: "acima". Pode ver dentro de quartos fechados e dentro de seus companheiros planos. Está vendo seu universo de uma única e devastadora perspectiva. Viajar através de uma outra dimensão proporciona, como um benefício incidental, um tipo de visão de raios X. Eventualmente, como uma folha que cai, nosso quadrado lentamente desce para a superfície. Do ponto de vista dos seus companheiros da Terra dos Planos, ele desapereceu de modo inexplicável de um quarto fechado, e então materializou-se, aflito, em algum lugar. "Pelo amor de Deus", dizem eles, "o que aconteceu com vocês?" "Penso", descobriu-se dizendo, "que estava acima". Eles dão pancadinhas em seus lados e o confortam. As desilusões sempre aconteceram na família.

(Extraído de Cosmos, Editora Francisco Alves, 1983 - Capítulo O Limite do Eterno, Págs 262 e 263.)




Deixo também um link para os episódios da série e o site oficial. Delícia pura.








A fonte para as informações complementares: Internet, Wikipedia e os dois sites já citados.



Forte abraço para todos,
Márcio